sábado, 21 de abril de 2012

POEMA CONTÍNUO - PARTE I (O poema sem fim)

Hoje vivo de inverno a inverno
Cessaram as outras estações do ano
Hoje eu vivo só de desengano
E do frio que transpassa alma, eterno.


Hoje não tenho mais necessidade
De fingir pra alguém que sou alguém
Vivo apenas do que minh'alma tem:
Tristeza, dor e alguma insanidade.


As pessoas dizem: -- Pensa em Deus que passa.
Finjo que creio e às vezes rio
Mas por dentro há somente o vazio
E se me ponho a rir, é da alheia desgraça.


Não por maldade mas por achar
Tão idiota e inútil os medos
Que as pessoas tem  que o infortúnio cedo
Possa por acaso as alcançar.


Com essa conversa eu já me amolo
Dixei as rezas e carolices à parte
Prefiro referenciar-me na arte
Que ao menos me traz algum consolo.


Tantas tentativas já baldadas
De em vão tentar agradar a todos
Indo eu também pelo mesmo engodo
Seguir exemplos que não dão em nada.


Mas buscar explicação também não serve
São só bobagens de encher as horas
Quando vem a dor o que se faz? -- Chora!
Pois não é profícuo exercitar a verve.


Caminham comigo lado a lado
De modo inseparável as coisas feias
Com os elos imbatíveis das cadeias
Em meio a esse horror desesperado.


E meu coração que é tão feio de dar medo
Mesmo assim abriga ainda
Dividindo ao meio essa ferida
Um amor que trago em segredo.


Mas vou aprendendo ainda que aos tropeços
Deixar pra trás o resquício da alegria
Que de nada mais me serviria
Como os restos mortais dos meus apreços.


Mesmo agora acima o plenilúnio
Não impede a noite ser sombria
Pois a escuridão constante desafia
Com o braço negro do infortúnio.


Eu sou a noite mais densa, a escuridão
O sol de inverno ao meio dia
Das ladainhas e rezas a latomia
E todas as palavras de maldição.


Trago a tristeza na alma enredada
Envolvida num abraço merencório
E um frio beijo marmóreo
Das longas insones madrugadas.


Sinto um mal-estar constantemente
E sobe-me à boca um certo nojo
Como se vivesse do despojo
Dos restos de um corpo já doente.


Janete Roen

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